Quando o Corpo Fala: Os Efeitos do Trauma e os Caminhos da Cura
- CAMILA AMARAL

- 9 de jun.
- 3 min de leitura
Algumas experiências são tão intensas e dolorosas que não cabem em palavras. Situações como abuso sexual, violência física, combate em guerras ou perdas profundas não apenas marcam nossa história — elas se instalam em nossos corpos e reorganizam, silenciosamente, a forma como percebemos o mundo e a nós mesmos.
Por definição, o trauma é insuportável. Ele rompe a capacidade de compreender, integrar e processar o que aconteceu. Para seguir em frente, muitas pessoas que passaram por traumas tentam enterrar essas memórias em um canto escondido da mente. Mas o corpo... o corpo não esquece.
A Dor que o Corpo Guarda
Mesmo quando a mente tenta negar ou minimizar o que foi vivido, áreas do nosso cérebro responsáveis pela sobrevivência — mais antigas e instintivas — continuam a funcionar como se o perigo fosse iminente. Um cheiro, um som, uma expressão no rosto de alguém pode ser suficiente para ativar, sem aviso, os circuitos do trauma.
Nesse estado, o corpo entra em alerta máximo. Hormônios do estresse são liberados em excesso, surgem reações físicas desconfortáveis, emoções avassaladoras e impulsos difíceis de controlar. A pessoa pode se sentir fora de si — em pânico, colapsada ou agressiva — sem entender exatamente o porquê. Em meio a esse turbilhão, é comum acreditar que há algo de “errado” consigo mesma. Mas não há. O que há é um sistema nervoso tentando proteger, da única forma que conhece, um organismo que já foi ferido.
A Hipervigilância e o Medo de Viver
Pessoas traumatizadas muitas vezes vivem em estado de hipervigilância. É como se um alarme interno estivesse sempre prestes a disparar. Essa constante tensão interfere nas relações, nas decisões e na espontaneidade. Elas podem repetir padrões de sofrimento e sentir que não aprendem com as próprias experiências — não por falta de esforço, mas porque o trauma bloqueia o fluxo natural da vida e do aprendizado.
Curar é Reaprender a Sentir
A boa notícia é que o cérebro é plástico — ou seja, pode mudar. Há caminhos possíveis de cuidado, que nos ajudam a restaurar a sensação de segurança, reconectar com o corpo e, aos poucos, reconstruir a presença no aqui e agora.
Esses caminhos incluem:
De cima para baixo: através da fala, da relação terapêutica e da elaboração consciente das experiências. Falar sobre o que aconteceu (quando a pessoa estiver pronta) pode ajudar a dar sentido ao caos vivido e restaurar conexões de afeto, compreensão e pertencimento.
De fora para dentro: com o uso cuidadoso de medicamentos ou de tecnologias terapêuticas, é possível modular reações extremas do cérebro, criando mais espaço para o autocuidado e para o trabalho terapêutico.
De baixo para cima: por meio do corpo, é possível acessar níveis profundos de cura. Práticas como respiração consciente, meditação, ioga, toque terapêutico e outras abordagens somáticas ajudam o sistema nervoso a “reaprender” que é possível relaxar, reagir com firmeza e sentir prazer novamente.

Para Além da Cura: Uma Nova Relação com a Vida
Trauma não é uma sentença definitiva. Ele deixa marcas, sim, mas também pode ser um ponto de partida para um mergulho mais profundo em si mesmo — um convite para reconstruir, com presença e apoio, uma vida com mais sentido, autonomia e conexão.
Se você sente que carrega em seu corpo ou em suas emoções algo que não consegue explicar, saiba que você não está só. Existe ajuda, e há caminhos de cuidado que respeitam seu tempo, sua história e sua sensibilidade.
Curar um trauma não é “esquecer o que aconteceu”, mas aprender a viver com liberdade, mesmo depois da dor.






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